"É possível imaginar se as mulheres de Duma estão a olhar na nossa direcção,se estão a ver-nos, mas não é fácil ter a certeza. O que dificulta esse definitivo não é a ausência da imagem dos seus olhos, uma vez que os seus olhares são tão presentes, são inegáveis, têm temperatura. O que impede que não possamos saber a sua real direcção é o facto de ignorarmos a disposição dos espelhos que as rodeiam e a espessura da lente através da qual observamos. A indefinição destes dados não nos deixa saber qual a distância exacta a que estão de nós e quais os contornos precisos da relação que partilhamos com elas. A indefinição destes dados não nos deixa saber quase nada sobre nós próprios e, assim, perante a forma e a cor, somos uma perspectiva, alguém, uma entidade que nasceu num dia determinado e que chegou aqui, carregando dúvidas existenciais. A vida, que parece tanto, que parece tudo, encontra-se submersa nessas dúvidas. As mulheres de Duma definem um mundo e não conseguimos saber se está perto do nosso, e podemos beijá-las, ou se estamos a vê-lo através de binóculos, telescópios, e nos são para sempre inacessíveis. Se não existirem espelhos ou lentes, então é ainda mais difícil. Somos pessoas e fazemos pouco sentido perante a perfeição. Não conseguimos caminhar, tropeçamos em nós próprios, e temos a certeza de que todos serão capazes de perceber as nossas falhas. Desconhecemos quase tudo sobre nós. Coleccionamos algumas palavras das quais nada sabemos e que não queremos discutir na presença das mulheres de Duma. Sería expôr a nossa fragilidade, a nossa fraqueza, que é o mesmo que dizer: seria expormo-nos. As mulheres de Duma são fortes. Até a sua fragilidade é uma forma de força. Perante essa intensidade, os optimistas ensaiam uma espécie de sorriso, fingem, fazem aquilo que lhes parece mais adequado, mais certo, ignoram a sua realidade e representam um papel, transformam-se em personagem. Acreditam que, assim, as mulheres de Duma, saberão reconhecê-los como iguais. Os outros, no mesmo lugar, não fingem, porque sabem que, sem lentes, estão à distância onde as mulheres de Duma serão capazes de ouvi-los respirar, poderão mesmo sentir a sua respiração na superfície do pescoço, na delicadeza da pele, poro a poro. Sabem também que, a existir espelhos, podem estar apontados na sua própria direcção e, nesse caso, as mulheres de Duma reflectem a certeza que é o mistério e a fragilidade, em cada instante de cor ou sombra, que dá vida à vida." José Luís Peixoto
Texto do catálogo da exposição "Sweet", na Galeria São Mamede, de 24 de Março a 26 de Abril de 2011.
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1 comentário:
Simplesmente lindo!Parabéns aos dois :)
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